Para a educadora Maria Teresa Égler Mantoan, na
escola inclusiva professores e alunos aprendem uma lição que a vida
dificilmente ensina: respeitar as diferenças. Esse é o primeiro passo
para construir uma sociedade mais justa
Uma das maiores defensoras da educação inclusiva no
Brasil, Maria Teresa Mantoan é crítica convicta das chamadas escolas
especiais. Ironicamente, ela iniciou sua carreira como professora de
educação especial e, como muitos, não achava possível educar alunos com
deficiência em uma turma regular.
A educadora mudou de idéia em 1989,
durante uma viagem a Portugal. Lá, viu pela primeira vez uma experiência
em inclusão bem-sucedida.
“Passei o dia com um grupo de crianças que
tinha um enorme carinho por um colega sem braços nem pernas”, conta.
No
fim da aula, a professora da turma perguntou se Maria Teresa preferia
que os alunos cantassem ou dançassem para agradecer a visita.
Ela
escolheu a segunda opção. “Na hora percebi a mancada. Como aquele menino
dançaria?” Para sua surpresa, um dos garotos pegou o colega no colo e
os outros ajudaram a amarrá-lo ao seu corpo. “E ele, então, dançou para
mim.
” Na volta ao Brasil, Maria Teresa que desde 1988 é professora da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas deixou de se
concentrar nas deficiências para ser uma estudiosa das diferenças. Com
seus alunos, fundou o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e
Diversidade.
Para ela, uma sociedade justa e que dê oportunidade para todos, sem qualquer tipo de discriminação, começa na escola.
O que é inclusão?
É a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro
e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas
diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem
exceção. É para o estudante com deficiência física, para os que têm
comprometimento mental, para os superdotados, para todas as minorias e
para a criança que é discriminada por qualquer outro motivo. Costumo
dizer que estar junto é se aglomerar no cinema, no ônibus e até na sala
de aula com pessoas que não conhecemos. Já inclusão é estar com, é
interagir com o outro.
Que benefícios a inclusão traz a alunos e professores?
A escola tem que ser o reflexo da vida do lado de
fora. O grande ganho, para todos, é viver a experiência da diferença. Se
os estudantes não passam por isso na infância, mais tarde terão muita
dificuldade de vencer os preconceitos. A inclusão possibilita aos que
são discriminados pela deficiência, pela classe social ou pela cor que,
por direito, ocupem o seu espaço na sociedade. Se isso não ocorrer,
essas pessoas serão sempre dependentes e terão uma vida cidadã pela
metade. Você não pode ter um lugar no mundo sem considerar o do outro,
valorizando o que ele é e o que ele pode ser. Além disso, para nós,
professores, o maior ganho está em garantir a todos o direito à
educação.
O que faz uma escola ser inclusiva?
Em primeiro lugar, um bom projeto pedagógico, que
começa pela reflexão. Diferentemente do que muitos possam pensar,
inclusão é mais do que ter rampas e banheiros adaptados. A equipe da
escola inclusiva deve discutir o motivo de tanta repetência e
indisciplina, de os professores não darem conta do recado e de os pais
não participarem. Um bom projeto valoriza a cultura, a história e as
experiências anteriores da turma. As práticas pedagógicas também
precisam ser revistas. Como as atividades são selecionadas e planejadas
para que todos aprendam? Atualmente, muitas escolas diversificam o
programa, mas esperam que no fim das contas todos tenham os mesmos
resultados. Os alunos precisam de liberdade para aprender do seu modo,
de acordo com as suas condições. E isso vale para os estudantes com
deficiência ou não.
Como está a inclusão no Brasil hoje?
Estamos caminhando devagar. O maior problema é que as
redes de ensino e as escolas não cumprem a lei. A nossa Constituição
garante desde 1988 o acesso de todos ao Ensino Fundamental, sendo que
alunos com necessidades especiais devem receber atendimento
especializado preferencialmente na escola , que não substitui o ensino
regular. Há outra questão, um movimento de resistência que tenta impedir
a inclusão de caminhar: a força corporativa de instituições
especializadas, principalmente em deficiência mental. Muita gente
continua acreditando que o melhor é excluir, manter as crianças em
escolas especiais, que dão ensino adaptado. Mas já avançamos. Hoje todo
mundo sabe que elas têm o direito de ir para a escola regular. Estamos
num processo de conscientização.
A escola precisa se adaptar para a inclusão?
Além de fazer adaptações físicas, a escola precisa
oferecer atendimento educacional especializado paralelamente às aulas
regulares, de preferência no mesmo local. Assim, uma criança cega, por
exemplo, assiste às aulas com os colegas que enxergam e, no contraturno,
treina mobilidade, locomoção, uso da linguagem braile e de instrumentos
como o soroban, para fazer contas. Tudo isso ajuda na sua integração
dentro e fora da escola.
Como garantir atendimento especializado se a escola não oferece condições?
A escola pública que não recebe apoio pedagógico ou
verba tem como opção fazer parcerias com entidades de educação especial,
disponíveis na maioria das redes. Enquanto isso, a direção tem que
continuar exigindo dos dirigentes o apoio previsto em lei. Na
particular, o serviço especializado também pode vir por meio de
parcerias e deve ser oferecido sem ônus para os pais.
Estudantes com deficiência mental severa podem estudar em uma classe regular?
Sem dúvida. A inclusão não admite qualquer tipo de
discriminação, e os mais excluídos sempre são os que têm deficiências
graves. No Canadá, vi um garoto que ia de maca para a escola e, apesar
do raciocínio comprometido, era respeitado pelos colegas, integrado à
turma e participativo. Há casos, no entanto, em que a criança não
consegue interagir porque está em surto e precisa ser tratada. Para que o
professor saiba o momento adequado de encaminhá-la a um tratamento, é
importante manter vínculos com os atendimentos clínico e especializado.
A avaliação de alunos com deficiência mental deve ser diferenciada?
Não. Uma boa avaliação é aquela planejada para todos,
em que o aluno aprende a analisar a sua produção de forma crítica e
autônoma. Ele deve dizer o que aprendeu, o que acha interessante estudar
e como o conhecimento adquirido modifica a sua vida. Avaliar estudantes
emancipados é, por exemplo, pedir para que eles próprios inventem uma
prova. Assim, mostram o quanto assimilaram um conteúdo. Aplicar testes
com consulta também é muito mais produtivo do que cobrar decoreba. A
função da avaliação não é medir se a criança chegou a um determinado
ponto, mas se ela cresceu. Esse mérito vem do esforço pessoal para
vencer as suas limitações, e não da comparação com os demais.
Um professor sem capacitação pode ensinar alunos com deficiência?
Sim. O papel do professor é ser regente de classe, e
não especialista em deficiência. Essa responsabilidade é da equipe de
atendimento especializado. Não pode haver confusão. Uma criança surda,
por exemplo, aprende com o especialista libras (língua brasileira de
sinais) e leitura labial. Para ser alfabetizada em língua portuguesa
para surdos, conhecida como L2, a criança é atendida por um professor de
língua portuguesa capacitado para isso. A função do regente é trabalhar
os conteúdos, mas as parcerias entre os profissionais são muito
produtivas. Se na turma há uma criança surda e o professor regente vai
dar uma aula sobre o Egito, o especialista mostra à criança com
antecedência fotos, gravuras e vídeos sobre o assunto. O professor de L2
dá o significado de novos vocábulos, como pirâmide e faraó. Na hora da
aula, o material de apoio visual, textos e leitura labial facilitam a
compreensão do conteúdo.
Como ensinar cegos e surdos sem dominar o braile e a língua de sinais?
É até positivo que o professor de uma criança surda
não saiba libras, porque ela tem que entender a língua portuguesa
escrita. Ter noções de libras facilita a comunicação, mas não é
essencial para a aula. No caso de ter um cego na turma, o professor não
precisa dominar o braile, porque quem escreve é o aluno. Ele pode até
aprender, se achar que precisa para corrigir textos, mas há a opção de
pedir ajuda ao especialista. Só não acho necessário ensinar libras e
braile na formação inicial do docente.
O professor pode se recusar a lecionar para turmas inclusivas?
Não, mesmo que a escola não ofereça estrutura. As
redes de ensino não estão dando às escolas e aos professores o que é
necessário para um bom trabalho. Muitos evitam reclamar por medo de
perder o emprego ou de sofrer perseguição. Mas eles têm que recorrer à
ajuda que está disponível, o sindicato, por exemplo, onde legalmente
expõem como estão sendo prejudicados profissionalmente. Os pais e os
líderes comunitários também podem promover um diálogo com as redes,
fazendo pressão para o cumprimento da lei.
Há fiscalização para garantir que as escolas sejam inclusivas?
O Ministério Público fiscaliza, geralmente com base
em denúncias, para garantir o cumprimento da lei. O Ministério da
Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial, atualmente não
tem como preocupação punir, mas levar as escolas a entender o seu papel e
a lei e a agir para colocar tudo isso em prática.
Quer saber mais?
Bibliografia
Direitos das pessoas com deficiência: garantia de igualdade na diversidade, Eugênia Augusta Fávero, 342 págs., Ed. WVA, tel. (21) 2493-7610, 40 reais
Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer?, Maria Teresa Eglér Mantoan, 96 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172002, 11 reais
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Fontes: Deficiente Ciente / Rede Saci
Parabéns pela matéria! Este conteúdo, entre outros relativos ao tema, deveriam fazer parte do cotidiano de Pais, alunos e Professores no âmbito escolar, pois muitos desconhecem o direito das pessoas com deficiência e só passam a conhecer quando se deparam com um em seu ambiente familiar.
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