O Movimento Cidade para Todos, grupo que reivindica equipamentos e recursos de acessibilidade para facilitar a vida de deficientes visuais, está lutando para obrigar editoras e livrarias a vender versões digitais
de todos os livros disponíveis em seus catálogos.
Independentemente do
formato em que são digitalizados, os cegos são capazes de ler esses
livros com a ajuda de um programa leitor de tela que transforma as
palavras em voz. É um passo além do Braille, sistema para leitura tátil, de aprendizado lento e de distribuição limitada.
O psicólogo Naziberto Lopes de Oliveira, militante do Cidade para
Todos, que perdeu a visão há 24 anos num acidente de carro, está
processando três editoras que, segundo seu advogado, André Rotta, se
negaram a lhe vender versões digitais de livros impressos, sob a
alegação de que a reivindicação contraria a lei de direitos autorais.
Naziberto perdeu a ação em primeira instância, mas ganhou em segunda, no
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Como duas das três editoras
- Companhia das Letras e Contexto - recorreram da sentença, o caso será
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
"Reconhecemos o direito do reclamante de comprar edições digitais e,
por isso, não recorremos da decisão do Tribunal de Justiça", informou
Francisco Bilac Pinto, advogado da GEN Editorial Nacional, que também
foi processada por Naziberto.
A responsável pelo setor de direitos
autorais da Companhia das Letras, Eliane Trombini, disse que, por força
de liminar, a editora vende livros digitais ao psicólogo. Na Contexto, o
diretor comercial Daniel Pinsky afirma que sua editora não se nega a
fornecer livros digitais.
O problema, segundo Pinsky, é que Naziberto insiste em comprar
diretamente da editora, em vez de procurar livrarias ou pedir os livros
em instituições para cegos.
"Nós não questionamos a acessibilidade, mas
Naziberto está tentando impor um modelo de negócio, forçando-nos a
vender para ele", explica Pinsky.
O diretor da Contexto admite que "há
um monte de editoras que se negam a vender livros digitais", mas garante
que não é o caso da sua. "Temos 30% do catálogo em e-book que os cegos
podem adquirir em livrarias", informa.
O arquiteto Renato Barbato disse que não é nenhum favor das livrarias
disponibilizar o livro acessível para deficientes visuais.
"O acesso ao
conhecimento é um direito constitucional que, na prática, nos é negado",
observou Barbato, acrescentando que nunca conseguiu comprar um livro de
sua área desde que perdeu a visão, oito anos atrás.
"Se eu quiser
consultar uma obra de arquitetura, tenho de digitalizar as páginas
impressas e levar ao leitor de tela, um trabalho demorado e caro",
explicou.
Para outros membros do movimento, como Luiz Carlos Guilherme e sua
mulher Leninha, ambos cegos, as bibliotecas públicas, que têm outras
condições de acessibilidade, como rampas para cadeirantes, deveriam ter
equipamentos para deficientes visuais.
Como, por exemplo, scanner para
reprodução do livro. "Quando se pensa em cego, já se pensa em Braille,
mas é pequena a possibilidade de um adulto ler em Braille", afirma
Sérgio Faria, consultor de sistemas da multinacional Accenture.
Editoras e instituições governamentais costumam encaminhar os cegos para a Fundação Dorina Nowill,
antiga Fundação para o Livro do Cego, criada em 1950. "Foi uma
iniciativa de méritos fantásticos, mas que produz livros em quantidade
insuficiente - cerca de 150 títulos num País que lança entre 80 mil e
120 títulos por ano", disse Barbato.
A Biblioteca Municipal Mário de
Andrade, com um acervo de 1,2 milhão de itens (livros, mapas,
multimeios...) não tem livros em Braille e apenas cerca de 100
audiolivros, que cegos podem ler.
Outras bandeiras. O livro acessível é a bandeira mais recente da luta
dos cegos, mas não a única.
O Movimento Cidade para Todos briga também
pela adaptação das calçadas, poda de árvores que atravancam seu caminho,
identificação de ônibus nos pontos e instalação de semáforos sonoros.
Os cegos pediram ao Ministério Público que faça cumprir o decreto
federal 5296, de 2004, que obriga as prefeituras a instalar semáforos
sonoros. Eles argumentam que esse dispositivo é a maneira mais eficaz
para ajudar os deficientes visuais a atravessar as ruas.
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Quanto aos ônibus, o Movimento Cidade para Todos cita os exemplos de
Jaú e São Carlos, no interior paulista, onde a frota municipal está
equipada com aparelhos que anunciam, por alto-falante, a aproximação dos
veículos.
O sistema informa ao motorista que há cego no próximo ponto
de parada. "Pegar um ônibus em São Paulo é um transtorno, pois a gente
depende da ajuda de quem está esperando no ponto e nem todos colaboram",
queixa-se Luiz Guilherme.
Formado pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV), o ex-diretor do Parque Villalobos Flávio Scavasin aponta o
desinteresse do poder público como um entrave para se melhorar a
acessibilidade dos cegos.
"Entre os deficientes, os únicos que têm
conseguido alguma coisa são os cadeirantes, que têm um lobby forte e
mais visibilidade na mídia", observou. Scavasin, que tem deficiência num
olho e numa perna em sequela da síndrome da talidomida, luta ao lado
dos cegos no Movimento Cidade.
Fonte: Estadão
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