Milhões de pessoas no mundo todo tomam suplementos de
vitaminas. Mas, segundo o médico britânico Chris van Tulleken, muitas
vezes esta prática é um desperdício de dinheiro e pode colocar a saúde
em risco.
Em novembro de 1912 três homens e 16 cães saíram
de uma base remota na Antártica para explorar uma área que cobria
centenas de quilômetros. Três meses depois, apenas um dos homens voltou.
A pele de Douglas Mawson estava descascando, o cabelo caindo, ele tinha perdido quase metade de seu peso corporal.
Depois de um mês do início da viagem, um membro
da equipe caiu em uma fenda, levando junto uma barraca, a maior parte
dos suprimentos e seis cães.
Nunca mais foram vistos. Mawson e o outro
explorador, Xavier Mertz, decidiram voltar para a base se alimentando
dos cães que sobraram.
Semanas depois, Mertz apresentou dores de
estômago e diarreia, a pele do explorador começou a descascar e o cabelo
caiu. Dias depois, ele morreu.
Mawson sofreu sintomas semelhantes, inclusive com a pele descascando nas solas dos pés.
"A visão dos meus pés me chocou, pois a pele
mais grossa das solas tinha se separado como uma camada completa... A
nova pele, embaixo, ainda estava muito ferida", disse.
Ele estava com os sintomas que muitos
exploradores antigos e marinheiros sofriam e motivaram os primeiros
estudos sobre vitaminas e as doenças que a falta delas causam.
Fígado de cachorro
O relato de Mawson na verdade mostra os sintomas
típicos da overdose de vitamina A, provavelmente devido ao consumo de
fígado de cachorro.
Apesar de tudo, Mawson viveu até os 76 anos, mas
sua história serve como um exemplo para os dias atuais: vitaminas em
excesso podem fazer mal e até abreviar a vida de pessoas saudáveis.
Vitaminas A-K
Vitamina A: necessária para boa visão, pele saudável e crescimento. Encontrada em legumes e verduras verdes e amarelos e laticínios. A deficiência pode causar problemas de visão em situações de pouca luz, falta de lágrimas e, em casos mais graves, cegueira devido a danos na córnea.
Vitamina B: necessária para pele saudável e ajuda o corpo a liberar a energia do pão, leite e ovos.
Vitamina B12: necessária para as células vermelhas do sangue, encontrada na carne, leite e peixe.
Vitamina C: necessária para a pele saudável, proteção da célula e absorção de ferro. Encontrada em frutas, legumes e verduras.
Vitamina D: necessária para o fortalecimento de dentes e ossos. Encontrada em margarina e peixes oleosos.
Vitamina E: necessária para proteção das células. Encontrada em sementes, cereais e nozes.
Vitamina K: necessária para coagulação do sangue. Encontrada em legumes verdes e cereais.
As companhias fabricantes de vitaminas não vão
concordar. Mas, é preciso analisar a razão de acreditarmos que estes
suplementos são úteis.
Vitaminas são essenciais para vida e há grupos
de pessoas que precisam de suplementos específicos, mas o consumo sem
supervisão é mais do que desperdício de dinheiro.
O problema é que todos nos sentimos bem quando o
assunto são as vitaminas, primeiro pelo fato de as histórias sobre a
falta destas vitaminas serem horríveis. Segundo, nós lemos os pacotes de
cereal e, terceiro, um cientista ganhador do Nobel duas vezes, Linus
Pauling, tomava muita vitamina C.
Tudo isso leva a uma crença falsa: se um pouco é bom, muito deve ser melhor.
Eu já sabia o nome de vitaminas obscuras muito
antes de entrar na faculdade de medicina pois sempre gostei dos cereais
coloridos artificialmente, servidos no café da manhã e, de acordo com
suas propagandas, "são enriquecidos com vitaminas e minerais".
É preciso lembrar que o enriquecimento de
alimentos básicos com vitaminas e minerais tem sido uma das intervenções
em saúde pública de maior sucesso na história. Salva inúmeras vidas
todo ano até na Europa.
Quantidade recomendada
Então, você não deveria comer fígado de cachorro
na Antártica, mas a deficiência de vitamina
A aumenta muito o risco de
cegueira e morte entre crianças com sarampo e diarreia em países em
desenvolvimento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda
uma quantidade muito exata e alerta que doses mais altas podem causar
problemas congênitos entre outros problemas.
Então, as vitaminas fazem uma enorme diferença na expectativa de vida em algumas circunstâncias.
A propaganda de cereais e outros suplementos nos
leva a pensar nos efeitos benéficos para nossas vidas, contribuindo
para uma ideia geral de saúde associada às vitaminas.
E também há o cientista Linus Pauling, alguém de
muita credibilidade, que venceu o prêmio Nobel duas vezes e escreveu um
livro em 1970 afirmando que a vitamina C pode combater gripe, câncer,
doenças cardiovasculares, infecções e problemas degenerativos.
Ele consumiu quantidades imensas desta vitamina,
centenas de vezes a quantidade indicada, e viveu muito. Ele foi garoto
propaganda das grandes doses de vitamina e contribuiu para o crescimento
dessa indústria.
Mas, ao invés de aceitar a palavra de um homem,
mesmo que confiável, vale a pena analisar os resultados de estudos que
analisam o que acontece às pessoas que tomam estes suplementos durante
longos períodos.
Não basta olhar para um estudo. Cientistas
independentes reúnem todos os dados e pesquisas disponíveis e analisam
tudo novamente para responder algumas questões.
Eis o que alguns deles afirmaram.
"Não encontramos provas que apoiem (o uso) de
suplementos antioxidantes para prevenção primária ou secundária (de
doenças de qualquer tipo). Betacaroteno e vitamina E parecem aumentar a
mortalidade, assim como doses mais altas de vitamina A. Suplementos
antioxidantes precisam ser considerados como produtos medicinais e devem
passar por avaliações antes de (ser feita a) propaganda."
Só para esclarecer: "aumenta mortalidade"
significa que pode matar. Estes são compostos bioativos fortes, mas não
são regulamentados da mesma forma que remédios. Não importa o que se
pensa sobre regulamentação, se há dados afirmando que pode nos fazer
mal, deveria haver um alerta na embalagem.
Próxima questão
A próxima questão é por que estes suplementos
podem fazer mal. É muito difícil separar os dados, em parte pelo fato de
as vitaminas serem um grupo de substâncias químicas muito diverso.
Podemos incluir o que as pessoas normalmente
apontam como minerais sob a bandeira das vitaminas. Eles são necessários
na dieta não para energia, mas como parceiros químicos para as enzimas
envolvidas no metabolismo - produção de células, regeneração de tecidos e
outros processos vitais.
As funções deles são compreendidas, em sua maior
parte, pelas doenças causadas pela deficiência. Então não temos muita
certeza sobre tudo o que eles fazem ou como interagem. Antioxidantes são
um bom exemplo: eles absorvem os radicais livres que, se deixados em
nosso corpo, podem danificar o DNA e podem estar ligados ao câncer.
Suas células estão cheias de antioxidantes e a
dúvida é se tomar mais destes faria bem. No entanto, nosso sistema
imunológico luta contra infecções usando radicais livres. Não está claro
qual o efeito de antioxidantes neste aspecto, mas é fácil imaginar que
não deve ser bom.
A vitamina A está ligada ao aumento de câncer de
pulmão entre fumantes. Excesso de zinco está ligado à redução na função
imunológica, consumo excessivo de manganês, no longo prazo, está ligado
a problemas nos músculos e nervos entre pessoas mais velhas. E por aí
vai.
Fica ainda mais complicado quando tudo vem
misturado em um comprimido. Diferentes minerais competem pela absorção
no corpo e, por exemplo, se você toma grandes quantidades de cálcio,
você não vai conseguir absorver ferro, vitamina C pode reduzir seus
níveis de cobre etc.
Então, quando os suplementos são recomendados? O
National Institute for Health and Clinical Excellence (Nice), órgão
britânico que orienta os médicos do país, recomenda suplementos para
alguns grupos de pessoas específicos.
Por exemplo: ácido fólico para mulheres grávidas
até a 12ª semana ou que estão pensando em engravidar, vitamina D para
mulheres grávidas ou amamentando ou pessoas que não ficam muito expostas
ao sol, etc.
E o seu médico poderá recomendar suplementos se você precisar deles por razões de saúde.
Fonte: BBC BRASIL
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