Ela dá bronca, faz carinho, brinca, põe a criança para dormir, como
qualquer outra mãe.
A única diferença é que a psicóloga e consultora de
RH Tatiana Rolim, 36, faz tudo isso sobre rodas.
Cadeirante
desde os 17 anos de idade, descobriu os prazeres e os desafios da
maternidade há três anos, com a chegada de Maria Eduarda. A filha deu
ainda mais forças para superar as dificuldades diárias e lutar pelos
direitos dos deficientes.
O sonho de ser mãe era cultivado desde a adolescência por Tatiana, uma
jovem com saúde, cheia de disposição, que jogava vôlei e atuava como
modelo. Mas um passeio ciclístico com os amigos em Franco da Rocha (SP),
cidade onde morava, mudou o rumo dessa história.
Atropelada por um
caminhão, teve uma lesão medular irreversível e ficou paraplégica. “Foi
uma fase muito difícil. Fiquei três meses em coma, com várias fraturas.
Quando sai do hospital, nem consegui entender direito o que estava
acontecendo comigo”, conta.
Depois de meses de recuperação física e psicológica, ela conseguiu se
adaptar a sua nova rotina. Agora, o desafio não era mais vencer uma
partida de vôlei, mas, sim, pegar um ônibus sozinha para ir à escola.
Aos poucos, com a ajuda da família e de amigos, Tatiana foi superando os
obstáculos, sem desistir de seus projetos pessoais: fez faculdade,
aprendeu a dirigir, casou-se e passou a militar pela causa dos
deficientes – além de realizar o grande sonho de ser mãe.
Como em toda família, Tatiana também passou por dificuldades, algumas
delas sem nenhuma relação com sua condição física. Pouco antes do
nascimento da filha, o marido e ela se separaram.
Então, Tatiana se viu
sozinha, cuidando de um bebê. “Essa foi a fase mais trabalhosa, até os
dois aninhos, porque a criança exige maiores cuidados, é totalmente
dependente”, relata.
Entre as dificuldades com o início da maternidade, Tatiana conta, por
exemplo, sobre o complicado momento do banho da filha, no qual ela tinha
que “pular” várias vezes da cadeira para pegar água quente e colocar na
banheira dentro do box.
A psicóloga reuniu as histórias curiosas deste
período no livro “Maria de Rodas - Delícias e Desafios na Maternidade de
Mulheres Cadeirantes” (Editora Scortecci), escrito em coautoria com
Carolina Ignarra e Flávia Cintra.
Hoje, na atual fase da filha, aos três anos, Tatiana diz que o maior
apuro é mesmo com a educação, especialmente na hora de colocar limites.
Em uma das travessuras de Maria Eduarda, a menina pegou a cadeira de
rodas da mãe e correu.
“Ela sabia que assim eu não conseguiria ir atrás
dela. Então, eu tive que me impor, explicar que ela não pode pegar a
cadeira. Ela nunca mais fez isso”.
A condição física de Tatiana também acabou despertando uma
independência mais precoce de Maria Eduarda no que diz respeito às
atividades cotidianas: a menina toma banho sozinha, guarda os brinquedos
e até arruma a mesa para o jantar de vez em quando.
Mas é claro que Tatiana não se esquece de que a filha é ainda pequena
e, como toda criança, quer atenção e carinho. Por isso, a psicóloga
reserva tempo na rotina diária para ver os cadernos da escola de Maria
Eduarda, ler historinhas e brincar.
“Rola até um pega-pega sobre rodas e
esconde-esconde. Mas ela sempre sabe o meu esconderijo, porque não
tenho muitas opções dentro do apartamento”, diverte-se a mãe.
Acordar cedo, arrumar a filha para a escola, ir para o trabalho, dar
uma geral na casa, preparar as refeições fazem parte do dia a dia de
Tatiana. Aliás, para conseguir realizar as tarefas domésticas a
palavra-chave é adaptação.
Para passar a roupa, por exemplo, ela teve de
adaptar uma tábua, que ela coloca na mesa ou na cama. Para lavar roupa,
precisou comprar uma máquina de abertura frontal, para facilitar o
trabalho.
“São alguns investimentos que precisamos fazer por conta da
acessibilidade. Isso facilita muito a nossa vida, mas infelizmente tudo
ainda é muito caro no Brasil”, relata.
Na casa de Tatiana, tudo foi pensado para garantir maior conforto e
acessbilidade. As portas do apartamento são mais largas, para circular
com mais facilidade. Na cozinha, a pia é mais baixa e aberta, sem
gabinete, para que a cadeira se encaixe e seja possível lavar a louça
sem maiores esforços. O mesmo foi feito com o tanque. Já as janelas, são
abertas e fechadas com a ajudade de uma varinha, assim como o chuveiro.
Apesar de todas as adaptações, Tatiana sempre acaba encontrando um
obstáculo ou outro. Se a dificuldade é em casa, sempre dá um jeitinho de
superá-la. Uma delas aconteceu quando chegava de carro no condomínio
onde mora, mas não havia ninguém para ajudá-la a retirar a cadeira do
automóvel e subir.
Então, com a ajuda de amigos, ela conseguiu uma
cadeira extra, que fica sempre ao lado da vaga no prédio para que ela
possa sair quando quiser.
No entanto, muitas vezes, Tatiana encontra preconceito e situações
complicadas na rua. É nesse momento que ela luta com mais afinco pelos
seus direitos.
“Outro dia, num simples passeio no fim de semana, discuti
com um motorista de ônibus que não queria que eu embarcasse por conta
da cadeira. Tudo isso na frente da minha filha. É muito chato”,
confessa.
Para Tatiana, sobre rodas ou não, o essencial para qualquer mãe é se
adaptar às situações e tirar o melhor proveito delas, mesmo que tudo
pareça difícil.
“Em alguns momentos de lazer, como quando vemos uma
família andando de bicicleta, minha filha percebe que sou cadeirante,
mas sempre falo para ela que o que importa é que eu estou junto com o
coração. E ela sempre acaba entendendo”.
Fonte: IG
Nenhum comentário:
Postar um comentário