O professor de educação para a ciência Eder Pires de Camargo, que dá aulas na Universidade Estadual Paulista (Unesp),
reuniu em um e-book ferramentas úteis para professores ensinarem física
a alunos que não enxergam.
Lançado neste ano pela Editora Unesp, o
livro avalia os obstáculos para incluir os estudantes cegos no
aprendizado de conhecimentos como óptica, eletromagnetismo, mecânica,
termodinâmica e física moderna, e sugere formas de viabilizar a
participação e o entendimento desses alunos. O livro pode ser acessado
gratuitamente pela internet.
Em entrevista ao G1, Camargo explicou que este é o terceiro livro
produzido por ele a respeito da educação inclusiva de conteúdos de
física. Seu quarto livro, no qual ele pretende propor modelos teóricos
para melhorar a formação dos professores nesta área, já está nos planos.
Desde 2007, ele dá aulas na Unesp para futuros professores de física e
afirma que já tem obtido resultados interessantes. O professor explica
que decidiu pesquisar o tema, entre outros motivos, porque perdeu a
visão a partir dos 9 anos de idade. Além disso, "em ordem primeira de
importância, este é tema de grande necessidade social", disse o
professor.
"Pensei em estudar formas de ensinar física para um aluno com a mesma
deficiência que a minha, para facilitar o acesso desse aluno a um tipo
de conteúdo amplamente relacionado à visão, não que em sua natureza
seja, mas por uma cultura de videntes esta área do conhecimento acabou
sendo tornada dependente da visão", afirmou Camargo. Hoje, aos 40 anos,
ele tem pós-doutorado e dá aulas na graduação e pós-graduação da Unesp
em Bauru e em Ilha Solteira.
O livro é resultado da pesquisa de pós-doutorado do professor,
realizada a partir de 2005 sob a supervisão do professor Roberto Nardi,
da Unesp de Bauru. Ele tenta driblar costumes que estão enraizados na
dinâmica de uma sala de aula, onde o professor usa ao mesmo tempo sua
fala e a informação visual para se comunicar com os alunos.
"Se utiliza
muito um tipo de linguagem que envolve o áudio e a visualização
simultânea da informação. Por exemplo: 'note as características desse
gráfico' (professor indica o gráfico na lousa), 'isto mais isto dá isto'
(indica a equação)", explicou ele.
Dessa forma, segundo Camargo, o estudante cego não consegue participar
da aula e sequer tem condições para formular perguntas a respeito do que
está sendo ensinado, porque só tem acesso parcial ao conteúdo.
"Mais de
90% dos momentos de comunicação em sala de aula de física utilizam o
perfil que descrevi. Nisto reside uma parte das dificuldades enfrentadas
pelo aluno cego."
Segundo ele, não há soluções definitivas para ensinar todos os
conteúdos de física para quem não vê, mas é preciso dar mais atenção a
outros canais de comunicação.
"De um lado, não podemos comunicar coisas
estritamente visuais a um cego total de nascimento. Contudo, de outro,
nos faz pensar que as outras experiências (táteis, auditivas etc) são
fundamentais para a construção de realidade, pois, pelo contrário, como
estaria o cego no mundo? Ele é um individuo que está ai, pensa, vive e
muito bem sem a visão."
Para entender como superar esse obstáculo, ele passou um ano coletando
dados com a ajuda de estudantes de licenciatura em física e 35 alunos
videntes e dois cegos.
"Na primeira parte, desafiamos futuros
professores de física da Unesp de Bauru a planejarem materiais e
atividades de ensino de física adequadas para a participação de alunos
com e sem deficiência visual. Na segunda parte da pesquisa, esses
futuros professores aplicaram módulos de ensino de física sobre cinco
temas. O curso todo levou 80 horas."
As aulas foram gravadas em vídeo e, depois do curso, todos os
participantes da pesquisa foram entrevistados. "A análise desses
materiais foi realizada durante os outros anos da pesquisa, 2006 a
2009", explicou Camargo.
Segundo ele, uma das formas pelas quais é possível driblar os hábitos
de comunicação excludente na sala de aula é ensinando por meio de
maquetes táteis.
Ao transferir o conteúdo dos gráficos e esquemas da
lousa para um modelo 3D, não só é possível incluir os alunos cegos, mas a
ferramenta também pode facilitar o processo de aprendizado dos colegas
videntes, além de incentivar a interação entres os alunos.
Outros materiais que podem ser usados são barbante, arame, massa de
modelar, isopor e pregos, entre outros.
"Não sei por que, depois de um
tempo, na escola tudo se torna enlatado em livros e lousa e giz, de tal
forma que toda aquela criatividade do ensino infantil é esquecida. Não
estou dizendo contra livros e lousa, e sim criticando seus usos
exclusivos", afirmou Camargo.
Além disso, outra diferença nos hábitos do professor, na hora de pensar
em como dar uma aula acessível para quem não consegue enxergar, é a
necessidade de planejamento com maior antecedência.
Isso permite a
construção dos modelos adequados para o ensino do conteúdo específico da
aula. Por isso, ele defende que, além do incentivo à formação
qualificada do professor, é preciso que o governo dê, no caso das
escolas públicas, a infraestrutura necessária para que o trabalho seja
feito.
Na opinião do professor, essas condições ainda não são satisfatórias.
Mas Camargo defende que de nada adianta constatar o estado das coisas
hoje, principalmente considerando o sistema atual de ensino.
"Eu diria
que torna-se muito complexo e contraditório falar em inclusão no atual
modelo de escola e sociedade, cujo ensinamento central é a
competitividade e o acúmulo, valores divergentes aos apregoados pela
inclusão.
Por isto, é preciso falar em inclusão em seu sentido prospectivo,
porque a inclusão não está pronta, constituindo uma meta a ser atingida,
uma meta de uma nova sociedade e de um novo modelo social."
Fonte: G1
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