Sabe aquela pergunta tradicional: o que você quer ser quando crescer?
Então, Carlos Gadia sempre soube cirurgicamente a resposta. "Quero ser
neurologista pediátrico", dizia.
Mas a resposta, que pode parecer complexa para uma criança de 8 ou 9
anos, no caso de Gadia tinha uma justificativa bastante forte.
Ele tinha
uma extrema admiração por sua irmã, Dra. Newra Tellechea Rotta,
pioneira na área de neurologia infantil, que se tornaria, anos depois, a
primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Neurologia.
"Ela foi e ainda é um modelo muito forte para mim", diz Gadia, que
nasceu em 1957, um ano antes de a irmã entrar na faculdade de medicina.
E hoje, aos 56 anos, Gadia também se tornou um expoente na sua profissão. Considerado um dos maiores especialistas em autismo na Florida, ele estará no Brasil, entre os dias 14 e 16 de novembro, levando um pouco dessa experiência.
Dr. Gadia vai participar do 8º Congresso Brasileiro de Neurologia Infantil
em São Paulo, onde fará duas palestras, uma delas sobre a situação
atual do autista no Brasil e o papel da neuropsiquiatria infantil.
E também, como diretor médico da ONG brasileira Autismo e Realidade,
ele vai aproveitar a ocasião para anunciar o segundo "Edital - Prêmio
Prof. Dr. Marcos Tomanik Mercadante," que leva o nome do responsável
pela fundação da entidade – e antes de morrer, passou o cargo ao Dr.
Carlos Gadia.
"Marcos era um rapaz jovem, brilhante, que realmente fez uma diferença
enorme em relação ao autismo no Brasil", diz Gadia.
"Quando soube que
tinha um câncer intratável, o último legado dele foi chamar quatro
famílias que atendia e pedir que elas criassem uma organização para
divulgar o autismo no Brasil".
No primeiro edital, os finalistas receberam R$ 30 mil nas áreas de
pesquisa e capacitação de profissionais, e este ano, o valor vai
aumentar para R$ 50 mil em cada área.
"O objetivo do edital é estimular a pesquisa sobre autismo no Brasil e
proporcionar uma sementinha para permitir que pesquisadores possam, pelo
menos, começar um projeto de pesquisa", diz Gadia, que, depois de mais
de três décadas fora do seu país, se sente privilegiado de poder levar
um pouco de sua vasta experiência e conhecimento de volta ao Brasil.
"Sempre tive essa ideia de que eu precisava devolver para o meu país o
que o meu país tinha me dado, que precisava voltar para ensinar, para
colaborar", diz Gadia, reconhecendo que sua trajetória teria sido bem
mais fácil se tivesse seguido os passos da querida irmã, com todos seus
caminhos abertos em Porto Alegre.
Mas seu sonho era vir para o Estados Unidos, em busca de independência e
novas experiências. E assim foi – com a bênção e estimulo da Dra. Newra
Rotta.
Gadia se formou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1980 e,
um ano depois, desembarcou em Miami, onde fez residência no Jackson
Memorial Hospital. "Morava num apartamentinho perto do Jackson. Não
sabia nem cozinhar um ovo", diz.
Aprendeu, e não só a cozinhar um ovo, mas também a construir uma
carreira independente. Hoje, Gadia é diretor do Miami Children’s
Hospital Dan Marino Center, um dos maiores centros de tratamento de
autismo na Flórida, Professor Assistente do Departamento de Neurologia
da Universidade de Miami e Professor Adjunto do Departamento de
Neurologia da nova faculdade de medicina Herbert Wertheim da Florida
International University
No hospital, Gadia recebe, em média, dez novos casos por semana e,
frequentemente, são pacientes que vêm do Brasil. Por ser um apaixonado
pelo que faz e acreditar no potencial transformador do tratamento,
muitos pacientes marcaram sua vida.
Um deles é Rafael Ferraz de Oliveira. O menino foi diagnosticado com
autismo quando tinha menos de 2 anos. No mesmo dia em que recebeu a
notícia, a família de Rafael embarcou para Miami em busca de tratamento e
chegou no consultório de Gadia de surpresa, sem consulta marcada.
Hoje, a advogada Alessandra Camargo Ferraz, mãe de Rafael, se tornou
uma voz ativa em prol dos direitos de indivíduos com autismo no Brasil.
Ela é diretora jurídica da Autismo & Realidade, a ONG que desde 2010
trabalha para mobilizar, conscientizar e, o "mais importante", diz
Gadia, esclarecer as pessoas sobre o transtorno do espectro autista.
"O que mais me comove é quando as famílias resolvem estender o bem que
conseguem para outras", comenta Gadia, que espera com seu trabalho nos
Estados Unidos e junto à ONG poder ajudar cada vez mais na
conscientização do que realmente constitui "TEA" - "Transtornos do
Espectro Autista".
E para isso, diz Gadia, é importante que as pessoas assumam a condição
dos filhos, como fez Alessandra, para que diminua o preconceito.
"As pessoas, mesmo imaginando que seu filho possa ser autista, talvez
não queiram que isso seja de conhecimento", diz Gadia. "Acho que o
problema maior seja a falta de informação da população e de
‘capacitação’ dos profissionais".
Gadia conta que nos Estados Unidos também foi difícil superar os
obstáculos. Lembra que durante muito tempo a falta de conhecimento
impedia o diagnóstico precoce, o que é essencial para o melhor
desenvolvimento da criança autista.
Muito da transformação aqui, diz ele, se deve a pessoas como Dan
Marino, que dá o nome do centro onde o neuropediatra brasileiro
trabalha.
Dan Marino foi um dos maiores jogadores de futebol americano da
história. Um de seus filhos, Michael, foi diagnosticado com autismo com 2
anos e a família decidiu agir rapidamente.
Não só começou um tratamento
completo, como também percebeu que precisava mudar a sociedade para que
a inclusão de crianças como Michael acontecesse. Marino usou o seu
prestigio e fortuna para divulgar a causa: abriu o centro médico com
capital inicial próprio e, com todo orgulho de pai, apresentou o filho
para o mundo num comercial pago durante o Super Bowl, um dos mais caros
minutos da televisão americana.
Hoje, mais de 20 anos depois do diagnóstico, Michael fez faculdade, é
DJ e se uniu ao pai para fazer a diferença na vida de tantas outras
crianças com este transtorno do nos Estados Unidos e no mundo – uma em
cada 88 crianças, de acordo com os últimos dados.
E é essa conscientização da população e da sociedade, assim como a
"cultura da filantropia" tão enraizada nos Estados Unidos, que Gadia
espera poder levar, cada vez, mais para o Brasil.
"A alavanca do autismo são as organizações de pais, que empurram o tema
do autismo para a medicina, para a legislação, para a mídia," diz
Gadia. "O Brasil tem feito pesquisas de autismo de altíssima qualidade. O
que existe é uma grande separação entre o nível da pesquisa que está
sendo feita e o serviço que chega à população."
Nenhum comentário:
Postar um comentário