Suponha que o RH de uma empresa seja obrigado a optar entre dois
candidatos com igual qualificação para uma mesma vaga, sendo que um tem deficiência e o outro não. Quem seria selecionado?
“Contrato o deficiente, não tenho a menor dúvida”, responde a gerente
de Desenvolvimento Humano da Unijorge, Daniela Andrade.
“Como somos uma
empresa de grande porte, somos obrigados, pela legislação, a ter 5% do
quadro composto por pessoas com deficiências, mas é muito difícil
preencher essas vagas”, conta a recrutadora, fazendo eco à queixa de boa
parte do mercado.
“Estou com duas vagas em aberto desde o final de maio. A gente divulga,
procura, mas é muito difícil encontrar. Numa seleção para pessoas sem
deficiência, aparecem de 10 a 15 candidatos. Para uma vaga de PCD,
aparecem dois ou três”, compara a supervisora de RH da faculdade Área1,
Ariele de Oliveira Andrade.
Segundo ela e os outros profissionais de RH, há dois entraves
principais que dificultam a contratação de pessoas com deficiência: “O
primeiro é a escolaridade. Geralmente, pedimos segundo
grau completo para os candidatos a uma vaga. Mas, no caso de pessoas com
deficiência (PcD), a gente até abre mão. Se tiver ensino fundamental,
já contrata”, relata a gerente de RH do GBarbosa, Jaqueline Fontes.
O segundo entrave, completa, é que no momento em que o funcionário tem a carteira assinada, ele perde o benefício
de um salário mínimo, pago pelo governo”. Por isso, as vagas para
salários menores são dificílimas de aparecer interessados”, completa
Ariele.
Considerando-se que as vagas para maiores salários exigem uma
maior qualificação, dá para ter ideia do problema que o mercado enfrenta
para preencher as cotas definidas pela lei.
Conceição Veloso, consultora de capital humano do Walmart no Nordeste,
completa: “O que justifica o fato de estarmos sempre em busca dessas
pessoas é a concorrência em geral.
A lei de cotas de PCDs aquece ainda
mais o mercado. Em alguns casos, há também a falta de informações por
parte dessas pessoas, que por desconhecimento não sabem que possuem
potencial e condições para estar no mercado de trabalho”.
Autoestima
O assistente administrativo Rangel Camilo Farias, 27 anos, é uma
exceção. Vítima de um AVC em 2007, ele ficou com um lado do corpo
paralisado. Mas, desde 2011, abriu mão do benefício do governo e
trabalha na Unijorge.
Lá, além de ganhar um pouco mais, tem 90% de uma bolsa para cursar
Direito. “Não me vejo na condição de incapaz. Trabalho, estudo, posso
fazer tudo o que as outras pessoas fazem”, justifica ele, que é natural
de Governador Mangabeira e divide apartamento com um primo.
Morar longe da família também não assusta Thamires Leite Pedreira, 21
anos, que ocupa a mesma função que Rangel, só que em outra faculdade, a
Área1. Com um encurtamento em uma das pernas, ela saiu de Feira de
Santana em busca de uma oportunidade de emprego.
Por enquanto, está
hospedada na casa do namorado, mas se prepara para se mudar para um
pensionato. “Não tenho medo não. Saio sozinha, resolvo minhas
coisas...”, conta.
O cargo que Thamires e Rangel ocupam é um dos que mais empregam pessoas
com deficiência. “Geralmente, é o cargo que conseguimos preencher com
mais facilidade, porque não exige muita qualificação”, explica Daniela,
da Unijorge.
Com a dificuldade de ter candidatos prontos nas seleções, muitas
empresas optam por fazer o treinamento por conta própria. É esse o caso
dos supermercados, por exemplo. Trabalhando como empacotador há oito
anos no Bompreço, Alan Almeida da Paixão, 27 anos, não viu na síndrome
de Down um entrave para trabalhar.
Ele recebeu o treinamento junto com funcionários sem nenhuma
deficiência, e hoje desempenha com facilidade a função que lhe foi
atribuída. “Eu chego 7h, bato meu cartão e começo a trabalhar”, conta o
jovem, ao ser perguntado sobre o trabalho. “Ensaco tudo e boto no
carrinho”, completa. “Ele é muito disciplinado. Vem para o trabalho
sozinho, é muito inteligente e adora dançar”, conta a chefe de Alan, a
gerente Rita Pinheiro.
Colega de profissão, o empacotador surdo-mudo do GBarbosa Jocimário
Neri da Costa, 36 anos, também é elogiado. Os colegas dizem que ele é
bastante dinâmico, animado e se dá bem com todo mundo, PcD ou não. “Me
sinto útil”, resume ele sobre o trabalho.
Lei estabelece cotas a depender do número total de funcionários
A Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91) estabelece um percentual
obrigatório de funcionários com deficiência, a depender do tamanho da
empresa.
Instituições que tenham de 100 a 200 empregados precisam ter 2% do
quadro composto por pessoas com deficiência. Já as com 201 a 500
funcionários devem ter 3%; as com 501 a 1 mil, 4%; e as com mais de 1
mil funcionários precisam ter 5% da folha composta por pessoas com
deficiência.
Segundo a advogada trabalhista Ariadne Santana, da BCM Advogados, a lei
não estabelece para que cargos essas pessoas precisam ser contratadas,
nem o tipo de deficiência delas, o que leva muitas empresas a procurarem
limitações leves, apenas para não ter problemas com o Ministério Público.
“Também não se pode exigir experiência do candidato com deficiência.
Antes de ser instituída a obrigatoriedade, raras eram as empresas que as
empregavam. Portanto, a elas não foram dadas oportunidades para terem
em seu currículo experiência profissional”, acrescenta.
No caso de as empresas não encontrarem pessoas capacitadas para as
funções, Ana Patrícia Dantas, também advogada trabalhista, diz que se a
empresa comprovar que divulgou as vagas e fez a seleção, ela não pode
ser punida. “Ela tem que oferecer a vaga”, diz ela, que é diretora da
Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes.
Faculdade promove curso gratuito de qualificação para deficientes
“As empresas se queixam de falta de qualificação e, em parte, é
verdade. Mas isso começa lá na escola, a sociedade não foi construída
para a acessibilidade”, avalia Jaqueline Viana, professora de Psicologia
e responsável pelo projeto Novo Olhar, da Faculdade Ruy Barbosa.
No projeto, alunos, funcionários e professores trabalham capacitando
pessoas com deficiência para o mercado de trabalho (veja quadro).
Jaqueline critica os gestores das empresas.
“Muitas vezes, há uma
resistência dos chefes de setor, que acham que uma pessoa com
deficiência ali irá atrapalhar a produtividade. Mas, na verdade, ele não
perde nem ganha nada. É apenas mais um funcionário que tem coisas a
aprender e a ensinar”, resume.
Cursos disponíveis: Auxiliar Administrativo (I e II), Contas a Pagar e
Receber, Informática Básica e Avançada, Relações Interpessoais e
oficinas.
Quem pode participar: Pessoas com deficiência física, auditiva, visual ou mental, com escolaridade mínima de 1° grau.
Local: Faculdade Ruy Barbosa (Rio Vermelho)
Inscrições: (71) 3205-1745 ou projetonovoolhar@hotmail.com
Fonte: iBahia
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